O Que Torna uma Rua Viva?

Quando eu era criança, morava numa rua calma no Centro de Manaus. Era um lugar tranquilo, sem grandes surpresas, exceto às terças-feiras. Nesse dia, a rua vizinha, a Rua Coronel Salgado, se transformava, tomando vida com a Feira Itinerante, reunindo produtores e feirantes de Manaus e de todo o Amazonas vendendo frutas, verduras, peixes e, claro, comida de rua. A energia era contagiante.

Eu adorava passear pela feira com minha familia, provando frutas, ouvindo os barulhos do movimento e sentindo aquele clima animado. Mesmo quando voltava pra casa, gostava de subir num banquinho e ficar na janela, só observando a movimentação: gente indo e vindo carregada de sacolas, trabalhadores com carrinhos cheios de bananas e outras mercadorias. Essa lembrança me marcou, e me mostrou desde pequeno, como uma rua pode ganhar vida e se transformar.

Essa energia é o que os urbanistas chamam de vitalidade urbana. Nos dias de hoje, criar e manter ruas vibrantes é uma prioridade em projetos urbanos estratégicos pelo mundo afora. Por isso, entender o que faz uma rua ser realmente viva continua sendo um tema super relevante.

Diferente da minha experiência de infância, onde a vitalidade vinha só uma vez por semana, o desafio atual das cidades é fazer com que a vitalidade aconteça todos os dias. O comércio, como o da feira, é um dos motores dessa transformação, mas não é o único. Afinal, o que faz uma rua ser viva e interessante?

Foto por Marlon Tg em Unsplash

Uma pesquisa recente das urbanistas Anastasiia Galaktionova e Aura-Luciana Istrate trouxe respostas inovadoras. Elas analisaram dez cidades europeias e mostraram, com dados, que a vitalidade urbana não depende só de sorte ou de eventos ocasionais: fatores como o tamanho dos quarteirões, a mistura de usos (residencial, comércio, serviços) e o próprio desenho das ruas têm papel fundamental nesse processo.

No estudo, elas criaram um índice chamado “densidade funcional”, que nada mais é do que a variedade e concentração de pontos de interesse (lojas, cafés, escritórios, casas, praças, equipamentos públicos) por trecho de rua.  Usando dados abertos do OpenStreetMap, analisaram como esses pontos se distribuem e quais características urbanas mais favorecem essa mistura.

O interessante é que elas observaram diferenças importantes dependendo da escala da análise. No nível da cidade inteira, ruas mais longas, como grandes avenidas, tendem a ter maior diversidade de usos. Mas, em áreas menores e mais vivas, o segredo está nos quarteirões curtos e na alta densidade de edifícios mistos. Não por acaso, essa descoberta reforça o que Jane Jacobs, uma das maiores referências do urbanismo mundial, já defendia: quadras pequenas e mistura de funções fazem a rua ganhar vida.

O estudo ainda trouxe outros pontos importantes:

  • Ruas com alta densidade de casas ou áreas industriais perdem vitalidade e diversidade de atividades.

  • Já a presença de comércio e edifícios mistos aumenta muito o movimento do espaço urbano.

  • Fatores ligados à morfologia urbana, como o comprimento das ruas e a densidade dos edifícios, têm mais peso para a vitalidade do que o acesso ao transporte, principalmente nas áreas mais ativas.

Apesar de ser uma pesquisa riquíssima, senti falta de alguns detalhes. Por exemplo: elas falam bastante do comprimento das ruas, mas não analisam a largura — que é um fator fundamental para o conforto do pedestre e para a dinâmica da rua. Também senti falta de uma categoria exclusiva para espaços culturais, como escolas, bibliotecas, praças e obras de arte públicas, que são tão importantes para o sentimento de pertencimento da comunidade. Apesar desses usos estarem mapeados no estudo, eles nao possuem uma categoria própria.

E, claro, sabemos que ruas vivas também dependem da economia local. Por isso, incluir dados sobre valor dos imóveis, quantidade de empregos e movimento comercial poderia enriquecer ainda mais as análises — como as próprias autoras sugerem.

No fim das contas, a grande lição do estudo é que cada escala da cidade exige uma estratégia diferente. No planejamento de toda a cidade, é importante fortalecer os grandes corredores comerciais e o acesso ao transporte. Já nos bairros, investir em quadras menores, ruas mistas e espaços para pedestres faz toda a diferença.

Gerar a energia contagiante que eu sentia nas manhãs de feira pode não ser fácil, mas, com ajustes inteligentes no desenho urbano, é possível criar ruas mais vivas, humanas e agradáveis, melhorando, no fim das contas, a vida de quem mora na cidade.

Fonte:

  • Galaktionova, A., & Istrate, A.-L. (2025). Assessing street vitality using functional density as a proxy. Environment and Planning B: Urban Analytics and City Science, 0(0). https://doi.org/10.1177/23998083251353551

Acesse o artigo aqui: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/23998083251353551

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How to Shape Vibrant Streets?